Havia uma mulher de pé nas escadas da igreja. Ou talvez fosse uma menina. Não sei, ela devia estar naquela fase adolescente em que não se é nem menina, nem mulher. Enfim, a menina - mulher - estava de pé nas escadas da igreja. A noite estava fria. Era noite, comentei isso antes? Bem, havia uma mulher - menina - de pé nas escadas da igreja à noite. Ela estava descalça e usava um vestido branco. O vestido não tinha mangas, tinha um decote em V comportado e vinha até um pouco acima dos joelhos ossudos da menina - mulher -. Os pés deviam estar frios. Pensando bem, todo seu corpo devia estar frio, mas eu não conseguia parar de pensar nos pés. Deviam ser duas pedras de gelo! Ela era pálida - ou estava pálida, por causa da noite fria, do seu vestido fino e suas pedras de gelo descalças - e tinha os cabelos negros emaranhados por causa do vento gélido que castigava os degraus da igreja. A igreja estava fechada a anos, comentei isso? O padre pulou da janela do último andar. A igreja é bem grande. A mulher - menina - parecia ainda mais pequenina em comparação ao prédio grande e abandonado da igreja. Uma criança de rua aproximou-se da menina - mulher - com um passo relutante. A menina - mulher - virou-se para a criança, tinha os olhos fechados. A criança, que era de rua, suja e com os olhos famintos estendeu a mão para a mulher - menina- no vestido branco e que mantinha os olhos fechados. Estavam a mais de três metros uma da outra, então suponho que não tenha sido para tocá-la que a criança estendeu a mão. Sem baixar o braço a criança de rua, que era suja e tinha os olhos famintos, apontou com o mesmo para o peito da menina - mulher - com os pés descalços e provavelmente frios. Uma mancha vermelha começou a brotar no peito da mulher - menina - que ainda mantinha os olhos fechados. Era algo vermelho e molhado. A mancha espalhou-se pelo vestido branco, até quase cobrir todo o tronco da menina - mulher -. Então, tudo ficou imóvel. Se alguém tirasse uma foto da rua nesse momento, poderia ver nela: Uma igreja muito alta com uma escadaria castigada pelo vento; uma mulher - menina - de vestido branco com uma mancha vermelha no peito, os olhos fechados e os pés descalços; uma criança de rua suja e faminta nos pés da escadaria apontando para o peito da menina -mulher-. De repente, algo se mexeu. Foi a boca da criança, ela perguntou: "Que é isto?". Sua voz não era mais do que um sussurro sem força. Como nada aconteceu, a criança tentou de novo: "É sangue?". A mulher - menina- abriu os olhos e observou a criança, depois voltou os olhos para o borrão vermelho em seu peito. Houve um suspiro - de cansaço, não de surpresa - e ela tornou a olhar para a criança, que ainda apontava para o seu peito: "Não, é o amor". Depois disso, a menina - mulher - voltou-se para a igreja e fechou os olhos. A criança deixou o braço cair ao lado do corpo subnutrido e ajoelhou-se no primeiro degrau da escada. Uma delas - ou as duas - pareceu murmurar algo baixinho. Algo como uma oração. O vento fez coro a elas.
4 comentários:
Nossa, Amanda. Que lindo. Quero mais.
Que amor de texto. Adoro como você escreve, você tem uma singularidade especial para com as palavras. Ah, obrigada pelos comentários, fico feliz. (:
Obrigado pela leitura que me proporcionas.
Nossa, eu que tenho que agradecer ao tempo que dedicam lendo o que eu escrevo e aos comentários. Obrigada.
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