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domingo, 29 de maio de 2011

Redenção - Parte I

Havia uma mulher de pé nas escadas da igreja. Ou talvez fosse uma menina. Não sei, ela devia estar naquela fase adolescente em que não se é nem menina, nem mulher. Enfim, a menina - mulher - estava de pé nas escadas da igreja. A noite estava fria. Era noite, comentei isso antes? Bem, havia uma mulher - menina - de pé nas escadas da igreja à noite. Ela estava descalça e usava um vestido branco. O vestido não tinha mangas, tinha um decote em V comportado e vinha até um pouco acima dos joelhos ossudos da menina - mulher -. Os pés deviam estar frios. Pensando bem, todo seu corpo devia estar frio, mas eu não conseguia parar de pensar nos pés. Deviam ser duas pedras de gelo! Ela era pálida - ou estava pálida, por causa da noite fria, do seu vestido fino e suas pedras de gelo descalças - e tinha os cabelos negros emaranhados por causa do vento gélido que castigava os degraus da igreja. A igreja estava fechada a anos, comentei isso? O padre pulou da janela do último andar. A igreja é bem grande. A mulher - menina - parecia ainda mais pequenina em comparação ao prédio grande e abandonado da igreja. Uma criança de rua aproximou-se da menina - mulher - com um passo relutante. A menina - mulher - virou-se para a criança, tinha os olhos fechados. A criança, que era de rua, suja e com os olhos famintos estendeu a mão para a mulher - menina- no vestido branco e que mantinha os olhos fechados. Estavam a mais de três metros uma da outra, então suponho que não tenha sido para tocá-la que a criança estendeu a mão. Sem baixar o braço a criança de rua, que era suja e tinha os olhos famintos, apontou com o mesmo para o peito da menina - mulher - com os pés descalços e provavelmente frios. Uma mancha vermelha começou a brotar no peito da mulher - menina - que ainda mantinha os olhos fechados. Era algo vermelho e molhado. A mancha espalhou-se pelo vestido branco, até quase cobrir todo o tronco da menina - mulher -. Então, tudo ficou imóvel. Se alguém tirasse uma foto da  rua nesse momento, poderia ver nela: Uma igreja muito alta com uma escadaria castigada pelo vento; uma mulher - menina - de vestido branco com uma mancha vermelha no peito, os olhos fechados e os pés descalços; uma criança de rua suja e faminta nos pés da escadaria apontando para o peito da menina -mulher-. De repente, algo se mexeu. Foi a boca da criança, ela perguntou: "Que é isto?". Sua voz não era mais do que um sussurro sem força. Como nada aconteceu, a criança tentou de novo: "É sangue?". A mulher - menina- abriu os olhos e observou a criança, depois voltou os olhos para o borrão vermelho em seu peito. Houve um suspiro - de cansaço, não de surpresa - e ela tornou a olhar para a criança, que ainda apontava para o seu peito: "Não, é o amor". Depois disso, a menina - mulher - voltou-se para a igreja e fechou os olhos. A criança deixou o braço cair ao lado do corpo subnutrido e ajoelhou-se no primeiro degrau da escada. Uma delas - ou as duas - pareceu murmurar algo baixinho. Algo como uma oração. O vento fez coro a elas.

4 comentários:

bruna disse...

Nossa, Amanda. Que lindo. Quero mais.

wanessa g. disse...

Que amor de texto. Adoro como você escreve, você tem uma singularidade especial para com as palavras. Ah, obrigada pelos comentários, fico feliz. (:

Antonio Souza disse...

Obrigado pela leitura que me proporcionas.

Amanda disse...

Nossa, eu que tenho que agradecer ao tempo que dedicam lendo o que eu escrevo e aos comentários. Obrigada.