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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quando foi escrito, esse texto fazia algum sentido

[Confissão
ou
realismo nº 3]

Eu acho que a matei. Talvez, em meio a toda essa bobagem de pensamento positivo e boas energias, eu a tenha usado como sacrifício; ou, quem sabe, num dos meus dias ruins, eu tenha descontado nela. Eu sempre desconto nela, claro, mas, talvez, tenha ido longe demais. Ou será que, com a rotina e os compromisso, os quais em certos momentos desesperadores parecem não ter sentido algum - afinal, quero mesmo isso? - eu tenha esquecido de alimentá-la e, assim, a tenha matado de inanição? De algum modo, sei que essa não é a resposta certa. As duas primeiras opções parecem muito mais prováveis. Sinto que a massacrei. Sinto-me suja como se tivesse mergulhado as mãos no sangue dela. A minha coisa mais preciosa, eu a matei. Ela que, se este tipo de coisa existe mesmo, era a tradução perfeita do que é a alma. Ela era a única razão de eu acreditar em almas. Perdi a fé nas palavras... Eu que, apesar de elas sempre faltarem, sempre fui uma defensora ávida de seu valor. Eu... Eu não; era ela. Ela sempre foi o que eu tive de melhor. Agora ela está morta e, para completar, não deve ter sobrado nada para enterrar. Afinal, eu me conheço. Devo tê-la mutilado em minúsculos pedacinhos e varrido eles para dentro de um buraco negro; devo tê-la pulverizado e soprado sua poeirinha para fora de mim; devo tê-la vomitado junto com os restos do meu café-da-manhã na última quarta-feira. Não sobrou nem osso nem fio de cabelo para enterrar dentro de mim - pertinho do coração - para que eu possa visitar de vez em quando, chorar os meus pecados, pedir perdão. As circunstâncias podem ser incertas, mas não tenho duvidas quanto ao fato e à culpada. Toda essa certeza vem do vazio que encontro no lugar do terror que deveria estar sentindo. Eu sei, já pensei tê-la perdido antes e aquilo me encheu de medo. Agora, consigo apenas sentir certa nostalgia e um pouco de irritação comigo mesma. Afinal, tinha que ser eu a matá-la? Tenho uma ânsia de esfregar minha pele até esfola-la para tirar a sujeira da morte dela de cima de mim. Não o faço, porque sei que não vai adiantar. Está dentro de mim; está nos meus ossos. Está onde ela costumava ficar: no lugar da alma. 

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