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domingo, 1 de julho de 2012

Abdicação

Ajeito a coroa de ferro na minha cabeça. Está caindo sobre meus olhos de novo. É grande demais. A coroa, não meus olhos - ou minha cabeça. Minha cabeça - e meus olhos - são de tamanhos perfeitamente adequados, muito obrigada! Entretanto, o resto do meu corpo é muito pequeno. Quando sento nesse trono de pedra, meus pés não tocam o chão. Sinto-me diminuída, compactada pelo peso do meu reino. Afinal, esse mundo é tão grande e eu sou tão pequena. O mundo é tão grande e ainda não é o bastante.
Suspiro. A vida de vocês - suas mentes, seus corações - me entedia. Do alto do meu trono tenho uma visão privilegiada. Eu vejo tudo. Eu vejo e me dá vontade de chorar. Dá-me vontade rir. De morrer. De fugir. Tenho vontade de enfiar dois dedos na garganta e vomitar tudo isso. Vomitar o ódio, a rotina e a realidade de vocês. Porque essa doença já pegou em mim também. A realidade é concreto no meu estômago. Carrego a realidade podre de vocês no estômago e ela pesa de mais. Tenho problemas de coluna. O gosto ruim não deixa a minha boca. Estou enjoada, exausta, doente.
Faço uma careta. Até parece que vocês não sabem escolher governante! Quem diria?! Eu não sou uma boa rainha, mas penso que vocês já tiveram muito piores. Vocês não se importam se eu tirar a coroa agora, não é? Só um pouquinho. Na minha testa vocês podem ver o corte que o ferro fez em minha pela macia. Dói. A coroa deveria ser de madeira trazida pelo mar, vocês sabiam disso, entretanto foi-me oferecido o ferro barato. Tudo bem. Não sou exigente. O trono deveria ser de ferro, mas sobre isso não vou abrir a boca. Sou pequena e macia demais para o trono de ferro. Ele teria me cortado ao meio.
Recoloco a coroa com cuidado. Os olhares de repugnância que vocês estão direcionando a minha testa não me passaram desapercebidos. Uma vergonha! O corte que eu ganhei usando a coroa que vocês puseram na minha cabeça. Vocês me sentaram aqui. Vocês fizeram isso comigo! Ah, perdoem-me. Já sofri reprimendas por reclamar demais. Porém, entendam, eu cresci com os melhores. Cresci com Tolkien, Rowling e Pullman. Com Funke, Zusak e Austen. Martin, Riordan e Rothfuss. Meus tutores, meus melhores amigos, minha família.
Nunca esperei que vocês se igualassem a eles, estava preparada para o pior. Mas isso é ridículo! Vocês me negam o mar, as cores e as histórias. E ainda querem me enfiar essa tal realidade goela abaixo. Eu desisto. Abdico desse título - dessa tortura. Estou indo de volta para casa. Esse lugar é cinza e árido. As pessoas são más e estreitas. Faz ter saudade de casa. Onde as coisas nem sempre são fáceis, mas há sempre uma história para se ouvir e ninguém lá vai me negar o mar.

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