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domingo, 16 de março de 2014

Farewell

Para essa cena final, imaginem-me com as costas voltadas para vocês. Virei minhas costas para vocês - quão rude! Peço perdão. Mas, de volta a cena, eu estou de costas e estou andando para longe. Estou me afastando de vocês. Posso estar com um jeans rasgado, uma jaqueta de couro - sintético! - marrom desbotada, mochila nas costas e meio-sorriso maroto nos lábios. Também posso estar usando um vestido amarelo, na altura dos joelhos, ele treme com o mesmo vento que me joga os cabelos à face, escondendo minha expressão doída. Uma coisa é certa: há uma estrada à frente. E eu vou segui-lá.
Aliás, duas coisas são certas: não há lágrimas. A despedida é doce, não salgada. É uma cena de ficção, então podemos construí-la como quisermos - sei muito bem que despedidas ficcionais doem tanto quanto as reais, as vezes até mais. Se doer, vocês podem piscar e a cena se desvanece - já estarei longe! Porém, eu sugiro que a aproveitem. A cena é bonita, a despedida é polvilhada de açúcar e a dor é das boas.
Ah, perdoem a minha falta de tato com os números, mas há uma outra coisa - uma terceira - que também é certa: não estou correndo. Para que correr, se não estou fugindo de nada? Dou passos decididos, pensados, cheios de certeza. Não olho para trás - quarta certeza?! Não por que não sentirei falta disso tudo, mas porque sei que daqui para frente terei muito tempo para virar-me, acomodar-me num pedacinho de chão qualquer e admirar.
A cena dura horas, uma vida inteira. Mas, na verdade, são só alguns minutinhos. Logo, eu não passo de um pontinho preto, indistinguível de qualquer outro pontinho no mundo. Vocês voltarão ao nosso lugarzinho, a nossa sala de terapia, onde dançamos com demônios, crentes de que encontrarão uma carta. Não há nenhuma. Vocês acreditam que, com certeza, haverá pelo menos um bilhetinho. Nem isso. Não peço desculpas por isso. E, por favor, não fiquem com a impressão de que sou cruel. Lidando com as palavras há algum tempo, sei que algumas vezes - não são raras - elas faltam. Eu não gostaria de arruinar a cena que descrevi, a qual construímos juntos, com algumas palavras vazias.

Farewell, my darlings. Foi bom trocar palavras com vocês, mas estarei percorrendo outros caminhos daqui para frente. Quem sabe não nos encontraremos por aí?

Fonte: weheartit

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Agora eu prefiro o texto não justificado (realismo nº 5)

Sinto que preciso comprar um diário. Este pequeno espaço virtual tem sido a minha versão contemporânea de um diário muito mais do que um mural para minhas criações literárias. Tudo bem. Não há desculpas a serem pedidas ou a serem dadas. Tenho olhado muito para a imagem que as outras pessoas tentam transparecer em redes sociais, em um certo estilo de vestir, em meias-palavras. Temo ter me tornado um tanto fútil, um tanto focada demais no exterior. Tenho gana de viver, experimentar, mas será que esse desejo não está baseado em impressões superficiais de relatos alheios, mensagens positivas beirando a auto-ajuda e propagandas? A realidade é tão mais suja, confusa e doída. É tão mais real. E eu estou lentamente me apaixonando por ela. Se, ao menos, eu parasse de olhar tanto para o lado ou se não temesse tanto o papel em branco.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Para não esquecerem de mim (realismo nº 4)

Tenho estado assim, meio perdida. Morrendo de vontade de fazer literatura; tanta que me afobo toda, as ideias se atropelam, fogem, se escondem e nada. Nadica de nada. Estou lendo Mrs. Dalloway e tenho um monte de livros para ler depois; livros em quantidade suficiente para me ocuparem o ano inteiro. E séries e filmes que não acabam mais. Estou bem e tenho dentro de mim essa vontade ferrenha de continuar bem. Se não maior, na mesma medida que essa vontade, tenho outra: a de fazer literatura, a de fazer arte. Nesse ano de 2014, vou me dedicar à minha arte (ainda mais que estarei estudando história da arte). Não vou tentar abraçar o mundo, andarei com mais calma. Acima de tudo, acho que estou precisando aproveitar mais as pessoas. Esse texto é mais um lembrete para vocês não esquecerem de mim do que uma prosa escrita com a finalidade de entreter ou provocar. Ah, também ando escutando Karina Buhr e pensando em cortar o cabelo me inspirando na Ramona.


Fonte: Deviantart

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Ficção, realismo ou delírio. Take your pick!

Existe um rio atrás dos meus olhos. Deve ser ele que está me afogando de dentro para fora. Consigo ver com detalhes, através dos meus olhos da mente, ele escorrer feito cachoeira por detrás das minhas pálpebras, inundando minhas vias nasais e correndo pela minha garganta abaixo produzindo um gorgolejar tedioso. Deve ser ele que inunda meus pulmões e... Rio? Eu disse "rio"? Mas é um mar! Sempre foi um mar. My feeble body holds a sea inside it. Só que agora ele se virou contra mim. O Olho de Netuno não mais rege esta massa d'água. Abandonaste-me, ó deus da imensidão azul! Sempre soube que não deveria confiar em deuses ou personagens. Talvez seja a literatura que me afoga por dentro. Esse mar dentro de mim não era uma tola - ou talvez um tanto perfeita demais - analogia para a literatura que aguardava impacientemente ser colocada para fora? Ah, mas basta de metáforas bonitinhas para descrever algo que não é outra coisa senão feio! Patético! Sem sentido algum! "Parem de romantizar o que machuca", eu pediria aos escritores - e demais artistas. Contudo, sei que eles nunca pararão. Eu não parei, nem mesmo agora.
Será que consigo fazer-me mais clara que isso?! Bem, eu sinto como se estivesse lutando contra fantasmas. Nadando por uma névoa cinza. Há um véu que me separa do resto do mundo. Talvez eu esteja vivendo em uma dimensão paralela... Quem sabe? Eu estou interpretando um papel; não consigo decidir se sou ótima ou terrível nele. Até parece que estou vivenciando meu último conto publicado aqui! Eu olho no espelho, ela me encara de volta. Eu a questiono: "O que há de tão errado que você não consiga respirar?". Ela não me responde. Ignora-me. Dá de ombros. Pelas deusas da poesia, ela não faz ideia. Esse último é o pior cenário. É o que mais me assusta. Eu peço para sair. Peço que a boneca me liberte dessa prisão de cerâmica. Ela me responde com uma única frase: "E a fé que eu tinha em mim, cadê?". Há algo nessa frase que me perturba imensamente. Quase tanto quanto o meu próximo pensamento: acho que eu sou a boneca.
Eu tenho um professor que diz que o que nos machuca mais na tragédia é não sabermos a razão daquilo tudo. Eu concordo com ele e ainda emendo uma questão: por que o ser humano acha que existe uma razão para tudo nesse mundo? A realidade não faz sentido nenhum! Se fizesse, seria ficção.

Fonte: WeHeartIt

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sobre noites tão escuras que engolem o próprio conceito de existência

E a fé que eu tinha em mim, cadê? Essa é a pergunta que faço todo dia quando acordo; jogo-a no passarinho sentado de maneira jocosa na minha janela - aquele maldito me acordou às 6h da manhã de novo! Repito várias vezes na frente do espelho, encarando essa frágil boneca de porcelana - suas rachaduras estão visíveis, boneca; você é nova demais para estar tão rachada; você deveria se cuidar melhor, menina; dá uma mão de tinta que ninguém vai perceber que vocês está toda quebrada. Os olhos dela perdem o brilho já escasso a cada palavra repetida que deixa meus lábios - seus lábios? - até que me pareçam ocos, prosaicos, impossíveis de encarar. Repito a frase ainda algumas vezes, pelo menos até as palavras perderem completamente o sentido. Faço isso enquanto escovo os cabelos - a tinta parece escorrer deles imediatamente depois que eu os pinto; é só impressão, dizem alguns. Talvez seja, mas não tenho como saber; eles mentem bem demais. Quando fé não passa de uma monossílaba melódica e mim seja o som do canto de um passarinho exótico do qual não sei decifrar a língua, largo a escova, aceno com a cabeça para a boneca no espelho: estou pronta para enfrentar o dia.
Estou mesmo? O menino sentado na minha cerejeira dúvida muito disso. Ele dá risada do meu passo seguro e da minha expressão neutra - neutra não, vazia, murcha - quando passo pela árvore no caminho do trabalho. "Não tenho tempo para isso, pirralho! Estou indo trabalhar." é a resposta que eu dou à risada dele, sempre. Não tenho tempo para isso, nem para aquilo. Não tenho tempo para ser triste, não tenho tempo para chorar, não tenho tempo para sentir, não tenho tempo para morrer. Isso coloca um sorriso conformado no meu rosto; a falta de opção é um alívio. 
As vezes, por mais que eu fuja disso, pego vislumbres do meu rosto em superfícies espelhadas. Com uma sensação de distanciamento, pergunto a mim mesma quanto tempo ainda vou ficar presa dentro desse corpo de porcelana. Eu pergunto à boneca e ela me responde: e a fé que eu tinha em mim, cadê? "Aqui dentro não está", eu poderia responder. Poderia, se entendesse as palavras, se elas fizessem algum sentido. É com uma total indiferença que vejo o fim do expediente se aproximar; a pressa que antes me causava ansiedade, me acelerava o pulso, agora me embala no ritmo do resto da sociedade. Eu respiro fundo e me deixo levar.
Ao voltar para a casa, constato que o menino não está mais sentado na minha cerejeira. Sinto uma sensação engraçada de algo saindo do lugar, de pedacinhos se descolando uns dos outros. Acho que adquiri mais algumas rachaduras; dessa vez, por dentro. Suspiro. Os suspiros são parte essencial da minha personalidade agora, eles viraram uma forma de "olá". Suspiro de cansaço todo mundo entende. A noite, cobri o espelho do meu quarto; não conseguiria aguentar que o reflexo nele me jogasse as palavras de volta na cara até elas adquirirem sentido novamente. Além disso, o olhar de vidro da boneca assombra meus sonhos, afugenta eles para longe.
Recolhido todos os meus pedaços, jogo-os sobre a cama esperando que eles se emendem durante o sono. Antes de conseguir apagar as luzes, percebo que deixei a janela aberta... Deixei mesmo? Do lado de dentro, um montinho de penas jaze imóvel no chão. É o passarinho que me arranca dos braços do sonho e me joga cruelmente de volta a consciência. Está morto, gelado, duro. Olho para fora, a noite é escura, sem lua; não consigo enxergar minha cerejeira. Dá até para duvidar da existência de qualquer cerejeira no meu quintal, de qualquer menino que ri da minha falsa aceitação, de qualquer emprego que me sustente. Nessa escuridão, dá para duvidar da existência de qualquer mundo ou alma viva lá fora. Caio de joelhos, os olhos grudados no meu passarinho - MEU, SIM! Nem me passa pela cabeça que ele era o único despertador que tinha e, com sua morte, não tenho certeza se acordarei amanhã - ou algum dia. Eu o pego nas mãos sem nojo algum, envolvo sua forma frágil - mais frágil do que eu, quem diria! - nos braços, descanso ele no meu colo. Eu choro pela primeira vez em anos.


terça-feira, 22 de outubro de 2013

Quando foi escrito, esse texto fazia algum sentido

[Confissão
ou
realismo nº 3]

Eu acho que a matei. Talvez, em meio a toda essa bobagem de pensamento positivo e boas energias, eu a tenha usado como sacrifício; ou, quem sabe, num dos meus dias ruins, eu tenha descontado nela. Eu sempre desconto nela, claro, mas, talvez, tenha ido longe demais. Ou será que, com a rotina e os compromisso, os quais em certos momentos desesperadores parecem não ter sentido algum - afinal, quero mesmo isso? - eu tenha esquecido de alimentá-la e, assim, a tenha matado de inanição? De algum modo, sei que essa não é a resposta certa. As duas primeiras opções parecem muito mais prováveis. Sinto que a massacrei. Sinto-me suja como se tivesse mergulhado as mãos no sangue dela. A minha coisa mais preciosa, eu a matei. Ela que, se este tipo de coisa existe mesmo, era a tradução perfeita do que é a alma. Ela era a única razão de eu acreditar em almas. Perdi a fé nas palavras... Eu que, apesar de elas sempre faltarem, sempre fui uma defensora ávida de seu valor. Eu... Eu não; era ela. Ela sempre foi o que eu tive de melhor. Agora ela está morta e, para completar, não deve ter sobrado nada para enterrar. Afinal, eu me conheço. Devo tê-la mutilado em minúsculos pedacinhos e varrido eles para dentro de um buraco negro; devo tê-la pulverizado e soprado sua poeirinha para fora de mim; devo tê-la vomitado junto com os restos do meu café-da-manhã na última quarta-feira. Não sobrou nem osso nem fio de cabelo para enterrar dentro de mim - pertinho do coração - para que eu possa visitar de vez em quando, chorar os meus pecados, pedir perdão. As circunstâncias podem ser incertas, mas não tenho duvidas quanto ao fato e à culpada. Toda essa certeza vem do vazio que encontro no lugar do terror que deveria estar sentindo. Eu sei, já pensei tê-la perdido antes e aquilo me encheu de medo. Agora, consigo apenas sentir certa nostalgia e um pouco de irritação comigo mesma. Afinal, tinha que ser eu a matá-la? Tenho uma ânsia de esfregar minha pele até esfola-la para tirar a sujeira da morte dela de cima de mim. Não o faço, porque sei que não vai adiantar. Está dentro de mim; está nos meus ossos. Está onde ela costumava ficar: no lugar da alma. 

Sem título

Carrego em um só dedo o peso do enfado,
os outros - dedos - estão reservados
para outros pesos e
outras medidas.

O sol tímido que toca minha face
o poema solitário
- ou, quem sabe, solitária é somente a poetisa -
que seguro nas mãos
enchem-nas,
mas nos dedos não sinto pressão;
Não pesam nem sobrecarregam
o coração.

Concentrada
tento ignorar tudo que não seja
o barulho dos pássaros
e a placidez da manhã.
Nada mais deve penetrar
minha doce neblina,
meu sublime torpor.
As vozes - quase - humanas,
o roncar das máquinas,
o zumbido da contemporaneidade -
Ora, eles não entendem
que o morno do sol e
a poesia que seguro nas mãos
são as únicas coisas reais do universo.
O resto não passam de imagens desfocadas
atrás do véu da minha neblina;
o resto é apenas peso nos meus dedos,
como anéis de muitos quilates,
frios e duros.

O resto
- tangível -
agrega volume,
mas não significado.